É natural querermos estar próximos de quem amamos. Porém a sensação agradável de ter quem gostamos por perto pode, num piscar de olhos, transformar-se em desconforto e constrangimento. A diferença entre o que aquece o coração e o que queima o fígado é mínima.
É natural querermos abrir espaço para quem amamos. Mas dar espaço demais pode, num piscar de olhos, gerar indiferença e apatia.
Era o oitavo dia.
Um dia que de tão emocionante é como se não coubesse nos sete dias da Criação: a inauguração do Santuário. Dia de festa para toda Israel, em especial para a família sacerdotal, Aarão e seus filhos. Todos se aproximam e oferecem sacrifícios de acordo com o ordenado por Deus. Bodes, carneiros e bois são degolados, sangue é aspergido, órgãos internos, gorduras e couros são queimados no altar. Um espetáculo de calores, aromas e sensações que hoje em dia talvez provoquem apetite em alguns e enjoo em outros. De repente, os sacerdotes Nadav e Avihu, filhos mais velhos de Aarão, aproximam-se mais do que os demais, oferecem incenso vegetal - e morrem queimados na mesma hora. A alegria e a comemoração acabara de se transformar em tragédia.
Moisés parece não saber o que dizer ao irmão.
Em momentos de luto, principalmente os inesperados e trágicos, muitos de nós temos dificuldades em transmitir com nossas próprias palavras o consolo ao enlutado. Uma tentativa é dizer algo pronto, como que vindo de Deus. Imaginem a cena: Moisés se aproxima de Aarão, olha nos seus olhos e murmura: “Meu irmão, Deus disse que será santificado por seus próximos”. Aarão permanece mudo. Quem eram os próximos de Deus: os que se aproximaram demais ou os que se aproximaram conforme o ordenado?
Podemos especular que Moisés não se solidariza com a dor do irmão - ou se solidariza, mas não encontra as palavras certas. Diz algo, algo que D eus deve ter dito - e livra-se do peso das condolências. Aarão, mudo, parece não escutar ou não acreditar no que escuta. Ou fica mudo por sentir que o que Moisés disse não lhe diz nada. O fato é que ele está pasmo diante da morte dos filhos. Não há o que dizer, não há o que responder diante desta tragédia. Mas bastava Moisés se aproximar e ficar ao lado? Seriam estas a distância e a atitude corretas? A diferença entre o próximo bom e o próximo invasivo pode ser mínima e varia de caso para caso.
A Torá dos Animais
Nesta mesma parashá lemos sobre quais animais podemos consumir e quais não. Entre os proibidos estão o camelo, a lebre, o coelho e o porco.
O Midrash Vaicrá Rabá compara estes animais proibidos a quatro impérios: o camelo ao Império Babilônico; a lebre ao Império Pers a; o coelho ao Império Grego; e o porco ao Império de Edom, numa referência velada à cultura dominante nos tempos dos sábios do Midrash. Consumir estes animais significa neste contexto, assimilar a cultura dominante da época. Ainda hoje o porco é um dos animais mais consumidos pela cultura que nos cerca. Consumi-lo pode até não fazer mal à saúde física, mas distancia a alma dos valores judaicos.
Aproximar-se demais de Deus pode levar ao fanatismo. Distanciar-se demais pode levar à indiferença. Entre uma margem e outra, há muito espaço para uma vida judaica ao mesmo tempo conectada à nossa história e antenada com o nosso tempo.
Congregação Israelita Paulista
Shabat shalom, de Jerusalém
Uri Lam