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Professor, Advogado, Especialista em Direito Constitucional pela Escola Paulista de Direito, Pós Graduado em Direito Constitucional e Administrativo, sócio fundador da Peres e Almeida Advogados Associados, sócio fundador da Bait Iehuda Condomínios, Membro do GEA - Grupo de Estudos Avançados do Complexo Jurídico Damásio de Jesus, fundador e Conselheiro Vitalício do IPAM - Instituto Paulista dos Advogados Maçons

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

SHABAT SHALOM

Vaishlach

Pra lá deste quintal era uma noite que não tem mais fim. Pois você sumiu no mundo sem me avisar e agora eu era um louco a perguntar: o que é que a vida vai fazer de mim?
(Chico Buarque)

Jacob finalmente deixa a casa de seu sogro Lavan para trás, mas ao por o pé na estrada é literalmente atingido por mensageiros de Deus. Já na estrada, agora é ele quem envia mensageiros até Esaú. Os mensageiros retornam e relatam: “Fomos até seu irmão. Ele também vem na sua direção – e vem muita gente com ele.” Ciente de que, sendo o filho caçula, trapaceou e tomou de Esaú os direitos de filho mais velho, mesmo após tantos anos sem se encontrarem, Jacob teme a vingança como certa e sente muito, muito medo. Não que Esaú tenha lhe feito algum mal ao longo destes anos. Nem os mensageiros de Jacob dão a entender, objetivamente, que o irmão vem ao seu encontro para atingi-lo, feri-lo, matá-lo. Por enquanto, Jacob só foi atingido mesmo por anjos de Deus. De que forma? Só ele e Deus sabem. 

Contudo, certo de que o pior está por vir, Jacob rearranja todo o seu acampamento e o divide em dois. Ileso não escapará, isso é certeza. Tudo - assim parece acreditar - está nas mãos de Esaú, vingativo, sedento para devolver com juros pelo dano que ele Jacob, o queridinho da mamãe, o trapaceiro, lhe causou no passado.

Por que Jacob sente tanto medo? Outra forma de perguntar é: de que Jacob sente tanta culpa? Ele já havia sido atingido pelos mensageiros de Deus ao sair da casa do sogro. Teriam sido estes os mesmos mensageiros que ele próprio enviou até Esaú com mensagens de paz e amor para apaziguá-lo? E se nem anjos de Deus foram capazes de tamanha proeza? E se Esaú de verdade quiser mesmo é matá-lo e lhe arrancar a cabeça pelo pescoço com os próprios dentes?

Tenho a clara sensação de que Jacob projetava em Esaú as suas próprias culpas. Ele se sente a mais insignificante das criaturas, incapaz até mesmo, ao fazer suas preces, de dizer “Meu Deus”. Deus é o Deus de Abrahão e de Isaac, que foram dignos disso, mas não é o Deus dele, Jacob. “Eu diminuí”, diz. Ele se dá conta de que seus atos do passado não oferecem ameaça somente a si mesmo nem apenas ao seu patrimônio material, mas também à sua família, aos seus filhos, ao seu nome e ao de sua descendência no futuro. “Eu diminuí, dentre todas as bondades e dentre toda a verdade que Tu fizeste...” Jacob intui que falhou no aspecto legal, pois não fez o era justo; e no aspecto moral, ao não agir de acordo com o que se pode chamar de bondoso. Jacob, através dos próprios atos, excluiu a si mesmo de dois acampamentos: o da justiça e o da bondade. “Eu diminuí”.

Há conserto para nossas culpas? Há conserto para os erros do passado, mesmo aqueles cometidos em um passado distante? A resposta é difícil: nem sempre. Há aqueles que simplesmente deixam para lá, na esperança de que as lembranças sejam aos poucos apagadas pelo tempo. Há aqueles que, conscientes ou não, dirigem suas vidas por caminhos que, mais cedo ou mais tarde,  os levarão ao encontro com pessoas a quem atingiram no passado – e tanto temem o encontro quanto o aguardam. E há aqueles que se dão conta de que há dois acampamentos nos quais o acerto de contas com o passado precisa ser travado; no mundo externo e no mundo interno - e partem para o enfrentamento.

Conta-nos o Midrash: “[Jacob] os fez cruzar o rio” (Gênesis 32:24) – ele fez de si mesmo uma ponte que pegava daqui e entregava ali.” [Bereshit Raba] No caminho em direção a Esaú, Jacob fez de si mesmo uma ponte entre seu passado e seu futuro; entre o reconhecimento da culpa diante de Deus e diante de seu irmão; entre o reconhecimento e o enfrentamento da culpa; entre os tempos de irresponsabilidade e os de assumir a responsabilidade por seus atos.

“O mundo inteiro é como uma ponte estreita: o principal é não ter medo”, dizia Rebe Nachman de Breslav. Jacob tinha diante de si um rio caudaloso de muitos medos, mas fez de si mesmo uma ponte, cruzou o rio e enfrentou seus medos. Ele saiu ferido, é verdade. Mas foi assim que Jacob tornou-se Israel: aquele que enfrentou [seus medos diante de] Deus e [diante dos] outros seres humanos – e os venceu.

Shabat shalom, de Jerusalém
Uri Lam

Parashá retirada no site da CIP - Congregação Israelita Paulista


*A parashá da semana é acompanhada por uma ilustração da aquarelista
 Rosália Lerner.



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